Assimetrias na Petrobras
É madrugada. No escritório da
casa, a diáfana luz do monitor põe azuis nos objetos. A atmosfera me faz
lembrar as dependências de um castelo medieval exposto ao luar. Mas o que leio nada
tem de medieval, trata-se de uma informação:
Um mês
após comprar a refinaria de Pasadena, da americana Crown Central Petroleum
Corporation, a empresa belga Astra Oil oferece à Petrobras uma estranha
parceria...
A monotonia da informação e a doce
refração vinda do monitor trazem de volta as dependências do castelo. Com a
imagem uma frase:
Frivolidade,
teu nome é mulher...
Calma! Não se trata de uma frase
machista do século XXl. Ela aparece na peça Hamlet (ato
l, cena ll), de William Shakespeare, dita
pelo jovem Príncipe Hamlet, numa das salas do castelo de Elsinore, na
Dinamarca.
A frase faz menção à rainha
Gertrudes, sua mãe, agora casada com seu tio Cláudio, que acabara de assumir o
trono do irmão: Rei Ramlet. A sequência do diálogo revela toda a indignação do
jovem:
Um mês
apenas! Antes que se desgastassem os sapatos com que seguiu o enterro de meu
pai...
Naquele incerto momento, das
entranhas do castelo exalava o terrível hálito da traição.
Entre 2006 e 2012 vivi uma
espécie de delírio literário. No período li mais de 600 livros. Lia de tudo:
romances, contos, poemas e até obras sobre teoria literária... A partir de
então, personagens históricos passaram a povoar meus sonhos, frases pontuais
começaram a surgir em meus textos... Penso que se formaram canais entre o meu inconsciente
e o fluxo do meu pensamento: uma espécie de porosidade... Algumas dessas frases
guardam simetrias lógicas. Outras são assimétricas: parecem se comunicar apenas
metaforicamente, no plano poético.
Volto meus olhos para a tela do
computador. Saio da agradável atmosfera da literatura e penetro no árido espaço
da vida, agora observando a foto de Nestor Cerveró, ex-diretor financeiro da
Petrobras. Um clique no mouse e o texto: por US$ 1,18 bilhão a Petrobras compra
a empresa Astra Oil, refinaria avaliada por experts
em US$ 42 milhões.
O imbróglio surgiu porque o
Conselho Administrativo da Petrobras, presidido pela então ministra-chefe da
Casa Civil Dilma Roussef, não observou uma cláusula. O nome diz tudo: cláusula
"Put Option", cuja essência determina que, em caso de briga, a outra
parte é obrigada a ficar com todas as ações da empresa... Penso não ser difícil
provocar uma briga, não é?
Mas o que mais me espanta, e
creio a maioria das pessoas, é a nota emitida em nome do Conselho
Administrativo da Petrobras (com o aval de Dilma, é claro). Aliás mais que uma
nota, um elogio rasgado ao diretor Nestor Cerveró:
"...
sua competência técnica e o elevado grau de profissionalismo e dedicação
demonstrados no exercício do cargo..."
(chega, meu estômago começa a enjoar)
Elogio esse registrado em ata e
publicado no Diário Oficial. Então, fica a pergunta:
Como um conselho, advogados e uma
equipe de apoio altamente qualificada não observaram tão importante cláusula?
Assim, personagens políticos e
técnicos tentam explicar o inexplicável (a sensação de enjoo aumenta). Como diz
Cazuza em bela canção: tuas ideias não
correspondem aos fatos...
Há
assimetrias na Petrobras.
O enjoo da lugar a uma leve
tontura. Sem me dar conta, fujo da árida realidade e volto à subjetividade do
tempo: sinto o assédio de um fantasma... e mais uma frase me alcança:
Há
algo de podre no reino da Dinamarca...